O primeiro painel da tarde desta quinta-feira (27), no V Congresso Nacional dos Oficiais de Justiça (V CONOJUS), trouxe um tema urgente e sensível: a importância do oficial de justiça no cumprimento de medidas protetivas e no enfrentamento da violência contra a mulher. A palestra foi ministrada pela vice-presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas (ABMCJ), Alice Bianchini, com mediação da oficiala de justiça do TJ-MT, Eloina Bomfim.
Alice iniciou sua fala destacando a centralidade do conhecimento e da capacitação para que os oficiais de justiça possam perceber situações de violência muitas vezes naturalizadas ou invisibilizadas pelos estereótipos de gênero. “Muitos comportamentos são tão comuns que não são reconhecidos como violência nem mesmo pelas vítimas. É essencial agir com perspectiva de gênero, sensibilidade e empatia”, afirmou.
A palestrante alertou para a necessidade de segurança e proteção aos servidores e servidoras, especialmente nas situações mais complexas e de risco. Em diversos casos, o oficial ou a oficiala de justiça precisa de reforço policial para realizar a diligência. “O cumprimento de uma medida protetiva pode ser o divisor entre a vida e a morte de uma mulher. O profissional precisa estar preparado e amparado.”
Alice destacou ainda que os oficiais de justiça não podem ser responsabilizados por falhas sistêmicas que levem ao descumprimento de medidas protetivas dentro do prazo legal. Na apresentação a palestrante trouxe um texto retirado de uma dissertação. “Há uma preocupação legítima com a culpabilização indevida desses profissionais. O feminicídio não é uma fatalidade – é uma morte anunciada que pode ser evitada com estrutura, preparo e atuação coordenada”.
Durante o painel, foi anunciada a realização de uma audiência pública no Senado Federal (em data a ser definida), a pedido da senadora Augusta Brito (PT-CE), para mapear a atuação dos oficiais de justiça em número de casos e em áreas em que tais crimes são mais recorrentes para que se componha uma base de dados no Conselho Nacional de Justiça. A ideia é debater políticas públicas com o objetivo de minimizar a violência doméstica e familiar e aperfeiçoar a capacitação dos oficiais de justiça que atuam tão perto das vítimas.
Alice também trouxe dados alarmantes sobre a violência de gênero no Brasil: O país ocupa o 5º lugar no mundo em número de feminicídios. A maioria das mulheres é morta dentro de casa, por maridos ou companheiros, usando instrumentos domésticos, e sem ter pedido ajuda anteriormente. Um estudo da Vital Strategies, em parceria com a UFJF, mostrou que é possível identificar sinais de risco de feminicídio com até 92 dias de antecedência. Cerca de 64% das mulheres não conseguem sair da relação violenta por dependência econômica. 21% das mulheres brasileiras já foram ameaçadas de morte por parceiros ou ex-companheiros.
Além de apontar soluções, a palestrante instigou a reflexão com perguntas fortes: Quem está assassinando as mulheres? Onde elas estão morrendo? Com que instrumentos? Seus familiares sabiam da violência? E foi além: Por que uma mulher permanece ou sai de uma relação violenta? Por que o homem permanece agredindo? Alice também lembrou que a violência pode ser transgeracional, afetando diretamente filhos e filhas. E mencionou os casos de feminicídio indireto, quando o agressor atinge a mulher, por exemplo, por meio do assassinato de um filho, com o objetivo de causar sofrimento eterno.
Ao final, a palestrante reforçou que o enfrentamento da violência de gênero exige o compromisso de toda a sociedade — e não apenas das mulheres. “Precisamos incluir os homens nesse diálogo, aprofundar a discussão e reconhecer que o oficial de justiça exerce um papel estratégico nessa luta”, afirmou. Para Alice, é essencial que os mandados relacionados à proteção da mulher sejam cumpridos com olhar empático, sensibilidade e prioridade, uma vez que representam decisões que podem impactar diretamente a vida — e a sobrevivência — dessas mulheres.
Da assessoria